Auditora lembra como foi estuprada pelo marido 11 dias após fazer cirurgia de retirada da mama
Na hora de
contar as histórias de violência que sofreu, Jussara Rezende fez questão de se
mostrar e mostrar a outras mulheres que é preciso responsabilizar o agressor, e
não oprimir a vítima. A auditora do MEC morava em Gravatá, no agreste
pernambucano, quando sofreu estupro marital, em 2017.
“Eu tive um
câncer de mama em 2017, fiz mastectomia, que é a amputação das mamas. Com 11
dias, eu sofri o estupro mesmo”, conta Jussara.
A auditora
lembra que, por causa cirurgia, estava sob efeito de fortes medicações. “Eu
estava dopada, porque quando a gente amputa um órgão é muita dor, então para
dormir é uma dose para derrubar um elefante”, diz.
“Ele saiu
pela manhã para uma festa, estava alcoolizado, passou o dia inteiro nessa
festa. Às 19h ele voltou em casa, nós tivemos uma discussão por conta disso,
por ele ter me deixado em casa enferma e ter ido para uma festa. Eu questionei
ele sobre isso e ele voltou para a festa. Na hora da medicação, eu estava
dopada.
Quando
acordei, eu vi o sangue na cama, eu percebi ali que algo estava errado. A minha
cirurgia não tinha sido feita em meus órgão genitais, então como poderia ter
sangue nos meus órgão genitais? A cirurgia era na mama. Fui, busquei meu
cirurgião, que era diretor do IML na época, rapidamente constatou que eu tinha
sido estuprada”.
Fugindo da
violência, Jussara chegou a Petrolina, no Sertão pernambucano. Ela conta os
motivos que a fizeram não denunciar o agressor.
“No meu caso
haviam várias circunstância que, para mim, eu corria um risco muito grande. Ele
era um homem que tinha muito dinheiro, ele me ameaçou que de dentro do presídio
ele poderia mandar me matar e pode, de fato. Nós também tínhamos um irmão dele
doente mental, idoso, que morava conosco e como não tinha família, eu iria
ficar com a tutela desse idoso e eu não queria isso para mim”, conta, Jussara.
“E minha
família também, fiquei com muito receio que meus familiares soubessem. Minha
família tem um histórico de violência aqui no estado e poderia reiniciar uma
guerra de família. Então, achei melhor entregar para Deus”, completa.
De acordo
com dados da Defensoria Pública de Pernambuco, entre 2011 e 2022, 12% das
agressões sexuais contra mulheres foram cometidas por parceiros afetivos. Isso
significa que uma em cada oi agressões foi praticada por um cônjuge ou namorado
Esse dado
fica ainda mais assustador na última pesquisa divulgada pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que mostra que o crime de estupro cometido
por companheiros pode chegar a 30% do total de casos denunciados.
O código
penal brasileiro, no artigo 213, prevê estupro diante de violência ou grave
ameaça, a pena de 6 a 10 anos de reclusão. E no artigo 217-A, o estupro de
vulnerável, quando a capacidade da vítima de resistir está comprometida, com
pena de 8 a 15 anos de reclusão.
O delegado
Gregório Ribeiro, titular da Delegacia da Mulher em Petrolina, diz que muitas
mulheres ficam com medo de denunciar por pensarem que não têm como provar a
agressão. Mas ele destaca que é preciso confiar na rede de apoio de acolhimento
do estado.
“É
justamente a rede de proteção que nós acolhemos as vítimas de violência
doméstica. Esse caso de estupro marital, ele justamente é praticado em âmbito
doméstico. Aí, nossa rede com as CEAMs, CREAS, Delegacia da Mulher, nós
praticamos esse acolhimento à mulher por toda necessidade dela, para entender
tudo o que aconteceu, com atendimento psicológico, com tudo, para que ela tenha
a melhor capacidade de entender o que de fato lhe aconteceu e colocar aquilo
ali para frente”
Para a
ativista, Socorro Lacerda, que atua há mais de 30 anos na luta pelos direitos
das mulheres, as estatísticas não revelam toda a dor e crueldade que as
mulheres enfrentam em relacionamentos abusivos. Segundo a Coordenadora União
Brasileira de Mulheres em Pernambuco, é importante combater a cultura machista
que penaliza a vítima.
“Esse é
tipo de violência que ainda fica em silêncio, absurdamente em silêncio porque a
vítima acha que tem obrigações sexuais, isso porque a cultura impõe isso às
mulheres e aos homens também. É preciso que os homens saibam que sexo forçado é
crime e que a mulher saiba que ela não é obrigada a nada.”