Médicos do Hospital da Mulher do Recife ameaçam demissão em massa e denunciam 'cenário de horror'
Médicos que
atuam no Hospital da Mulher do Recife, no Curado, na Zona Oeste, ameaçam
demissão em massa. Os obstetras relataram, nesta quarta (9), um "cenário
de horror", com "cenas de guerra", por causa da quantidade
insuficiente de profissionais e da falta de materiais para atender as
pacientes.
Diante das
dificuldades, profissionais informaram que protocolaram, na segunda (7), 32
cartas com a intenção de desligamento.
Por medo de
represálias, os profissionais preferiram não ser identificados, mas deram
detalhes sobre uma situação. Segundo eles, tudo começou há aproximadamente dois
anos e só piorou.
Os médicos
relatam que pacientes chegam a esperar até oito dias por um procedimento e, em
alguns casos, existem complicações e verdadeiras "tragédias" por
causa dessa demora.
"É
um cenário de horror, com cenas de guerra. Há mais de dois anos, a gente vem
lutando por melhores condições não só para a gente, mas para a população. Toda
semana, um profissional pede demissão, porque não aguenta ver a paciente
sofrendo ou tendo um desfecho ruim por falta de pessoal e de material",
contou uma das médicas.
Ela afirmou
que o livro de plantão do hospital chegou a ser apelidado peal equipe de
"livro do horror". "São tragédias e mais tragédias que
acontecem", disse.
Segundo a
médica, muitas vezes, é preciso escolher entre dez pacientes aquela que será
operada e algumas terminam esperando até oito dias.
"E você
sabe que em uma gestante um dia faz diferença para ela e para um bebê. Algumas vezes,
tem um desfecho negativo e essa paciente não tem nem ideia que é por falta de
condições, falta de material, falta de pessoal", desabafa.
A médica
também disse que já aconteceu de o plantão contar com dois obstetras. "A
desculpa é que, por causa da Covid-19, muitos profissionais adoeceram, mas
adoecerem de estresse, de ansiedade, estão com problema de saúde mental, o que
prejudica os profissionais e as mulheres", disse.
Outra
médica, que também não quis ser identificada, contou os profissionais não
aguentam mais não dar assistência adequada e que os médicos terminam sofrendo
também agressões verbais e ameaças de acompanhantes de pacientes revoltados com
a situação.
"Recentemente,
um grupo masculino de acompanhante de pacientes se reuniu para procurar quem
eram as médicas do plantão, onde dormiam, onde ficavam para conversar com elas.
E tudo isso deixa a equipe em um estado de medo", lembrou.
Ela também
lembrou que já houve plantão com 20 a 30 pacientes em observação. "No
espaço onde fica quem está para ter bebê, chegamos a ter dez pacientes ou 12. E
só dois médicos para tudo isso. Fora os médicos de outras especialidade e
profissionais de saúde com escala defasada", criticou.
O que diz
o Simepe
De acordo
com a presidente do Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe), Cláudia
Beatriz, após a carta de intenção de desligamento dos 32 médicos obstetras, na
segunda, o Hospital da Mulher do Recife tem 15 dias para uma negociação para
conseguir manter as atividades.
Ela reforçou
que os médicos relatam que fazem, 600 atendimentos mensalmente para equipes
compostas por três ou quatro obstetras.
O Simepe
pede que sejam contratados ao menos seis plantonistas. A presidente diz que
"o pleito da categoria é simples" e que a prefeitura "precisa
contratar seis plantonista para uma assistência digna" e diz que as
pacientes já sofrem hoje com o número de profissionais pequeno e vão sofrer
muito mais se o serviço fechar.
"Eles
têm feito uma escala de 12 horas de plantão sem direito a parar para beber
água, a descanso e a uma refeição. A categoria não está tomando um ato de forma
intempestiva, esta situação se arrasta há tempos. Alguns colegas que trabalham
lá relatam cenário de guerra, casa dos horrores, são falas muito fortes de quem
está no limite", afirmou.
Cláudia
Beatriz destacou que hoje a oferta de remuneração ao obstetra é inferior ao
valor oferecido em outro edital de remuneração a outras especializadas.
"Mesmo tipo de trabalho, plantão, mesma jornada, mesma responsabilidade, é
preciso que se oferte a mesma remuneração", observou.
A presidente
disse que alguns profissionais relatam ter sensações extremas ao ir para o
trabalho. "Tem colega que relata que tira do Hospital da Mulher o ganha
pão, que é esse dinheiro que faz a feira, mas que não consegue mais trabalhar
lá, porque quando está indo trabalhar e o coração acelera, a boca fica seca e
começa a tremer e ter dor de cabeça", lembra.
O que diz
a prefeitura
Por nota, a
Secretaria de Saúde do Recife disse que abriu um processo seletivo para
contratação de médicos em 2020, além de quatro em 2021 e um em 2022, mas que a adesão não aconteceu "na mesma proporção da
necessidade imposta em nenhum deles".
"Este
ano, estão sendo disponibilizadas 17 vagas. Enquanto permanece com empenho para
contratação de profissionais, a unidade vem buscando otimizar o trabalho com
medidas como a criação de um núcleo interno de regulação, contratação de
médicos diaristas para os setores com maior sobrecarga e o fortalecimento da
gestão de leitos", justificou, na nota.
A prefeitura
também afirmou, no comunicado, que está aberta ao diálogo e que realizou
diversas conversas com o sindicato dos médicos e os trabalhadores do hospital
para "ouvir e colocar em prática as soluções sugeridas".